segunda-feira, 14 de maio de 2012

Reflexões de uma mãe, esposa e psicóloga que trabalha com Educação Infantil

Recentemente temos dialogado no Thema sobre as relações entre o consumismo na infância, a importância do brincar e os papéis sociais e sexuais adultos. Sobre o assunto, postamos nas redes sociais da escola um artigo da Revista Gestão Escolar: “Consumir é viver?” (http://themaeducando.blogspot.com.br/2012/04/consumir-e-viver.html) e o vídeo “Criança, A alma do negócio” (http://www.youtube.com/watch?v=KQQrHH4RrNc) que está sendo discutido nos encontros semanais do corpo docente. Na última sexta-feira de Abril, eu e a Camila (coordenadora pedagógica do Ciclo 2) fomos a uma mesa redonda na Unicamp de lançamento do livro - fruto de tese de mestrado de Fernanda T. Roveri - intitulado “Barbie na educação de meninas: do rosa ao choque”. De fato, os dados apontados podem chocar. Retratarei superficialmente um pouco do que escutamos lá. 

Barbie é a boneca mais vendida no mundo há 53 anos, pois seu marketing arquitetado milimetricamente a faz representar “TUDO O QUE VOCÊ QUER SER”. Apesar de se apresentar SEMPRE com o mesmo corpo: magra, de cintura fina e seios grandes, maquiada e de cabelos longos, a boneca assume DIVERSOS papéis: de fada à médica (quase nunca como mãe) com figurinos de moda bastante VARIADOS. Não constitui prioritariamente um brinquedo, mas uma mercadoria colecionável que cultiva o imaginário das pessoas: mulher sexy, sensível e delicada que não para em pé sozinha, cheia de objetos e roupas. Digo imaginário das ‘pessoas’ e não ‘meninas’, pois, aos homens, esta personagem parece uma modelo sexy; para as crianças alimenta sonhos de consumo, alegria e vaidade; e para nós – mulheres e mães - já serviu de “treino do mundo adulto” – um molde de projeção feminina. Até hoje, nosso lado infantil também se encanta, muitas vezes, com o universo dos shoppings e apetrechos de moda. 

Enquanto os brinquedos destinados às meninas reforçam a sensibilidade, vaidade, consumismo e passividade dentre outros atributos, os dos meninos incentivam ação, movimentação (bonecos articulados em todos os pontos possíveis), luta, agressão e adrenalina (e depois, no ensino fundamental as escolas ainda esperarão alunos comportados e obedientes, que fiquem quietos sentados em sala de aula?). Muito há que se desvendar a respeito dos sentidos e significados dos brinquedos e brincadeiras atuais e da própria infância. 

Até aqui apenas reproduzi um pouco do que ouvi. Depois desta mesa redonda fui buscar meus filhos na escola e voltamos para casa. Minha filha de pouco menos de 4 anos disse choramingando que eu não havia enviado o brinquedo do dia – respondi que ela levara sim, que eu havia lhe mostrado antes de guardá-lo na mochila. Ela reafirmou que não, pois ela e as amigas procuraram na sua mochila e não encontraram nem bola, nem bambolê. Eu retruquei que ela havia levado um elástico (uma das três opções solicitadas) e nem precisei procurar muito para encontrar – intacto - o tal “brinquedo” na mochila. Algumas perguntas vieram como uma avalanche na minha mente na mesma hora: “mas como não viram? como minha filha passou pela frustração – à toa – de ficar sem o brinquedo que estava lá com ela?”. Mas a autopercepção falou mais alto que a forte emoção protecionista de mãe e isso me permitiu tomar consciência de algumas coisas. Depois de tantas “discussões teóricas” sobre a importância da valorização e autonomia da criança, sobre brinquedos e brincadeiras, me deparei com a realidade de que, naquele dia, em primeiro lugar, eu não havia respeitado o potencial de minha filha: ao colocar o elástico na mochila ao invés de participar, eu tomei conta de um espaço que era dela: eu resolvi tudo sozinha e ela mal viu. Porém, na escola ela teve a oportunidade de procurar sozinha, de não achar, de pedir ajuda às amigas, de se frustrar, de brincar com as coisas dos colegas e de conversar comigo depois a respeito, me fazendo, não por acaso, refletir e criar uma oportunidade gostosíssima em casa: ao achar o “elástico intacto” imaginei que minha filha não o reconhecia como um instrumento do brincar, nunca havia, por exemplo, pulado elástico – uma das minhas brincadeiras preferidas na infância. Inspirada pela importância do brincar que eu redescobrira na mesma tarde convidei-a a armar o elástico em duas cadeiras na sala para pularmos. Qual não foi a surpresa (e risada) dela quando me viu arregaçando as calças (sim, as calças arrumadinhas de Barbie) para não enroscar nos fios. E qual não foi minha surpresa quando percebi que não me lembrava de nenhuma das regras da brincadeira. Depois de muita farra... ah!!!, que sorte que temos o ‘youtube’... Até minha filha que não sabia pular elástico soube escolher o vídeo que queria assistir para aprender a sequência da brincadeira do elástico... 

Enfim, estou inserida e impregnada da cultura que me cerca, bem adaptada, reproduzindo os mesmos esquemas, sem tomar, muitas vezes, consciência dela. Porém, por sorte, tive a chance de repensar meus hábitos e valores – pessoais e culturais. Seria hipocrisia de minha parte jogar fora toda a coleção de Barbies da minha filha que fica amontoada em uma gaveta até que ela ganhe uma nova (não que ela não valorize as bonecas, mas em virtude da própria necessidade vazia de renovação constante materialista que acumula inutilmente excessos). O que pretendo agora é pensar naquilo que FICA para mim e para ela - como valorizar suas capacidades, o brincar e o autocuidado ou autoestima de maneira desprendida desta ‘objetivação’ do mundo material, estético, consumista e dominador (em que o adulto escolhe/decide pelas crianças quando elas teriam plenas condições de fazê-lo)? Eu não terei para sempre o mesmo corpo como a Barbie, mas jamais ficarei sem as lembranças daquela noite em que pulei elástico com minha pequena..., pois provei o verdadeiro encantamento da infância (e acredito que a cena irá se repetir muitas vezes). Ainda assim, terei muitas perguntas a fazer, pois refletir pode ser difícil para quem foi treinada, durante anos, a reproduzir... 

Mariella Guerrini
Psicóloga THEMAeducando
14/05/2012

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