sexta-feira, 13 de julho de 2012

A cultura do preferido

Para quê perguntamos às crianças qual é a comida preferida delas, qual é o melhor amigo ou até a "namoradinha"?
Para conhecê-las melhor? Para treiná-las a identificar seus gostos, vontades e predileções? Para cultivar o "especial", dar algum destaque ou importância?

Realmente é uma delícia sentir-se especial e porquê não atribuir importâncias às coisas e pessoas que nos causam satisfação? Entretanto, me pergunto se não estamos apenas satisfazendo uma necessidade adulta de destacar e de conhecer. Qual o sentido de ficar adiantando o mundo adulto, competitivo e sexual (de formação de casais - namoros)? Não seria a infância suficiente em si? Precisamos ficar preparando-os para este mundo adulto? Como podemos esperar, assim, que eles o transformem, que construam e vivam num mundo melhor*, que nos superem se insistimos em reproduzi-lo exatamente na fase de vida humana em que tudo é novo, tudo é descoberta?

Além disso, ainda questiono: 
Se minha comida preferida é macarrão, provavelmente vou querer comê-lo quase todos os dias... não ficarei enjoado? O preferido perde a graça? Ou não deixarei de experimentar por longo tempo o risoto?

Se meu amigo preferido é o Fulano, não ficarei triste demais no dia em que não puder conviver com ele? Ou não deixarei de conhecer o Ciclano? Não ficarei "dependente" da amizade do Fulano em detrimento de minha habilidade de ser social? E se ele desgostar ou se encher do interesse que tenho por ele?

Se "escolhi” a Beltrana para ser minha "namoradinha" porque gosto muito dela e sinto o mesmo pelo Fulano, seria ele meu melhor amigo ou meu "namoradinho"? E se o "namoradinho" da Beltrana for o Ciclano, ou a amiga preferida dela a Fulana de tal modo que ela não corresponda à preferência que tenho por ela?

Tenho também que escolher um pai preferido, uma avó preferida, um sapato preferido (que logo não me servirá mais)? 
Conseguirei substituir com facilidade as importâncias que dou?

Quanta confusão ocupando quem tem muito a brincar e descobrir!...

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* Aliás, esta expectativa de mundo melhor já não seria baseada na nossa necessidade de um mundo mais feliz, saudável, menos violento etc.? O mundo da criança é gostoso, alegre ou triste, preocupante?

Mariella Guerrini 
Psicóloga Escolar

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