terça-feira, 6 de março de 2012

"Sobre chaves e fechaduras"

Fabiana Bonilha, Doutora em Música pela UNICAMP e Psicóloga, cega congênita, escreve semanalmente na coluna "Ponto de vista" no canal E-Braille. Vale a pena conferir seu artigo "Sobre chaves e fechaduras" que fala um pouquinho sobre necessidades especiais: 

"Se prestarmos atenção ao nosso redor, veremos que o mundo é repleto de opostos que se complementam. Há uma perfeita correspondência entre todas as coisas, que equivale, a título de comparação, ao pareamento entre chaves e fechaduras. Cada fechadura possui uma chave própria, que serve especificamente para abri-la. Cada chave, por sua vez, é adequada para abrir um determinado tipo de fechadura, havendo um perfeito encaixe entre elas.

Assim como há uma complementaridade entre as chaves e as fechaduras, e assim como muitos outros opostos se completam, nossos limites e capacidades também são complementares. Em nossas vidas, não nos é imposto nenhum limite, sem que também nos seja dada uma capacidade que nos permita superá-lo. Se uma porta nos é fechada, sempre haverá uma chave capaz de reabri-la. Ocorre que, por vezes, demoramos para descobrir onde está a chave de superação para cada obstáculo, ou então, ficamos tentando abrir aquela porta usando uma chave que não seja a correta.

Todos nós, para enfrentar qualquer espécie de desafio, lidamos com este tipo de enigma em nosso dia-a-dia, como se todo o tempo tentássemos descobrir as chaves para resolvermos nossas questões individuais. Mas, de modo particular, as pessoas que têm alguma deficiência dão especial atenção a este problema, que parece ser o tema central de suas vidas.

De fato, ao adquirirmos uma deficiência de ordem sensorial ou física, recebemos uma mensagem dizendo que uma determinada porta a princípio se fechou para nós. Sabemos então que, exceto por algum milagre ou avanço da ciência, a porta da visão, da audição ou de algum tipo de movimento nunca mais nos será aberta. Além disso, também somos informados de que as chaves para abrirmos as portas que nos restam são difíceis de serem encontradas, e às vezes demandam um processo de fabricação sob encomenda.

Tornando esta ideia concreta, vivemos em um mundo concebido e equipado para atender às necessidades daqueles que possuem seus sentidos e suas faculdades motoras em pleno funcionamento, de modo que, os que fogem a esta condição precisam construir seus próprios meios para viver e se adequar à realidade.

Então, como já dito, passamos a vida procurando as chaves! Não é uma tarefa simples, e por vezes, trata-se de um trabalho intenso e cheio de angústia.

Praticamente todo mundo já viveu situações em que teve de procurar às pressas as chaves do carro ou da casa, depois de tê-las perdido, e todo mundo sabe o quão angustiante é esta busca.

De forma análoga, é este o sentimento que experimentamos, quando as situações cotidianas ocorrem em um tempo acelerado, e quando nós, que necessitamos realizar algumas adequações específicas, saímos rapidamente em busca das chaves.

Para resolvermos estes enigmas, contamos com a nossa criatividade, e, não raro, com uma certa dose de bom-humor.

Na vida de quem tem deficiência visual, muitos exemplos saltam aos olhos, e muito ainda há por ser conquistado. Nós, que não enxergamos, aprendemos a abrir várias portas ao longo da nossa existência. Desejamos abri-las em benefício de nós mesmos, mas também, temos em mente as outras pessoas, que serão beneficiadas ao descobrirem portas que deixamos entreabertas atrás de nós."



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